quinta-feira, 21 de maio de 2015

"Jorge, Paulo e eu"

O passar dos anos nos faz acumular parceiros de vida. Cada um agrega algo de novo. Estes tempos de redes sociais, que muitos acreditam esconder a verdadeira face das pessoas, na verdade mostra claramente quem somos. 

Confesso que cada vez que publico algo e vejo a alta interatividade na minha rede de contatos, o espanto surge associado a uma sensação agradável de aprovação. O real sentido de cada conteúdo compartilhado é também uma proposta de mostrar um pouco sem disfarces meus valores, pensamentos e desejos.

Muitos sabem da minha admiração por dois grandes poetas... Paulo Leminski​ e Jorge Luis Borges​! Cada um de sua maneira contribui e muito para meus pensamentos mais profundos. O poeta do Paraná tive o privilégio de conhecer e privar de breve convivência. Era algo como uma projeção de quem eu gostaria de ser. Por outro lado, o portenho tinha a profundidade de vida e morte o qual eu tanto admiro.

Eis que no meio de um caos de nossa rotina cotidiana, eu me vejo debruçado em mais uma produção textual. E os dois estão juntos... e pretensiosamente comigo. O destino dessa produção criativa? Não sei!

Seguem dois poemas que convergem ao conto que agora escrevo: "Jorge, Paulo e eu".



Os Justos

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.

Jorge Luis Borges
Tradução de Fernando Pinto do Amaral 



Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.


Paulo Leminski