O passar dos anos
nos faz acumular parceiros de vida. Cada um agrega algo de novo. Estes tempos
de redes sociais, que muitos acreditam esconder a verdadeira face das pessoas,
na verdade mostra claramente quem somos.
Confesso que cada vez que publico algo
e vejo a alta interatividade na minha rede de contatos, o espanto surge
associado a uma sensação agradável de aprovação. O real sentido de cada
conteúdo compartilhado é também uma proposta de mostrar um pouco sem disfarces
meus valores, pensamentos e desejos.
Muitos sabem da
minha admiração por dois grandes poetas... Paulo Leminski e Jorge Luis
Borges! Cada um de sua maneira contribui e muito para meus pensamentos mais
profundos. O poeta do Paraná tive o privilégio de conhecer e privar de breve
convivência. Era algo como uma projeção de quem eu gostaria de ser. Por outro
lado, o portenho tinha a profundidade de vida e morte o qual eu tanto admiro.
Eis que no meio de
um caos de nossa rotina cotidiana, eu me vejo debruçado em mais uma produção
textual. E os dois estão juntos... e pretensiosamente comigo. O destino dessa
produção criativa? Não sei!
Seguem dois poemas
que convergem ao conto que agora escrevo: "Jorge, Paulo e eu".
Os Justos
Um homem
que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que
agradece que na terra haja música.
O que
descobre com prazer uma etimologia.
Dois
empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista
que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo
que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher
e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que
acarinha um animal adormecido.
O que
justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que
agradece que na terra haja Stevenson.
O que
prefere que os outros tenham razão.
Essas
pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.
Jorge Luis
Borges
Tradução de
Fernando Pinto do Amaral
Bem no fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio
perpétuo
extinto por lei todo o
remorso,
maldito seja quem olhar pra
trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se
resolvem,
problemas têm família
grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos
probleminhas.
Paulo Leminski